8 de janeiro de 2011

Livro: “A origem da desigualdade entre os homens” Autor: Jean-Jacques Rousseau, editora Escala, São Paulo


“Para Rousseau o homem é naturalmente bom, nasceu bom e livre, mas sua maldade ou sua deterioração adveio com a sociedade que, em sua pretensa organização, não só permitiu, mas impôs a servidão, a escravidão, a tirania e inúmeras leis que privilegiam uma classe dominante em detrimento da grande maioria, instaurando a desigualdade em todos os segmentos da sociedade humana” p.7

“Os povos, uma vez acostumados a senhores, não podem mais passar sem eles. Se tentam sacudir o jugo, afastam-se tanto mais da liberdade quanto, tomando por ela uma licença desenfreada que lhe é oposta, entregam suas revoluções quase sempre a sedutores que só fazem agravar seus grilhões.” P.13

“O que há de mais cruel ainda é que, como todos os progressos da espécie humana a afastam sem cessar de seu estado primitivo, quanto mais acumulamos novos conhecimentos, tanto mais nos privamos dos meios de adquirir o mais importante de todos que consiste, nem certo sentido, que à força de estudar o homem é que nos tornamos incapazes de conhecê-lo.” P.22

“Descontente com teu estado atual por razões que anunciam à tua posteridade infeliz maiores descontentamentos ainda, talvez quisesses retrogredir e esse sentimento deve constituir o elogio de teus primeiros ancestrais, a crítica a teus contemporâneos e o espanto daqueles que tiverem a infelicidade de viver depois de ti.” P. 29

“Seria triste para nós sermos forçados a convir que essa faculdade distintiva e quase ilimitada é a fonte de todas as degraças do homem; que é ela que o tira por força do tempo dessa condição original em que ele passaria dias tranqüilos e inocentes; que é ela que, fazendo desabrochar com os séculos suas luzes e seus erros, seus vícios e suas virtudes, o torna com o tempo o tirano de si mesmo e da natureza.” P.38

“Ora, só desejaria que me explicassem qual pode ser o gênero de miséria de um ser livre cujo coração está em paz e o corpo com saúde. Pergunto qual, a vida civil ou a natural, está mais sujeita a se tornar insuportável para os que a gozam. Em torno de nós, vemos quase somente pessoas que se lastimam de sua existência e muitas mesmo que se privam dela tanto quanto o podem; e a reunião das leis divina e humana mal basta para deter esta desordem. Pergunto se jamais se ouviu dizer que um selvagem em liberdade tenha somente pensado em se lastimar da vida e em se suicidar. Que se julgue, pois, com menos orgulho, de que lado está a verdadeira miséria.” P.47

“É pois, perfeitamente certo que a piedade é um sentimento natural que, moderando em cada individuo a atividade do amor de si mesmo, concorre para a conservação mútua de toda a espécie. É ela que nos leva sem reflexão sem socorro daqueles que vemos sofrer; é ela que, no estado de natureza, faz as vezes da lei, de costume e de virtude, com a vantagem de que ninguém é tentado a desobedecer à sua doce voz; é ela que, em vez desta máxima sublime de justiça raciocinada “Faz a outrem o que queres que te façam”, inspira a todos os homens esta outra máxima de bondade natural, bem menos perfeita, porém mais útil talvez que a precedente: “Faz teu bem com o menor mal possível a outrem”. P.51

“Onde o dever de uma eterna fidelidade só serve para provocar adultérios e onde as próprias leis da continência e da honra estendem necessariamente a devassidão e multiplicam os abortos.” P.53

“Sem prolongar inutilmente esses detalhes, cada um deve ver que, sendo os laços da servidão formados exclusivamente da dependência mutua dos homens e das necessidades recíprocas que os unem, é impossível sujeitar um homem sem colocá-lo antes na situação de não poder passar sem outro homem, situação que, inexistindo no estado de natureza, deixa cada um livre do jugo e torna vã a lei do mais forte.” P.55

“O primeiro que, cercando um terreno, se lembrou de dizer: ‘Isto é meu’ e encontrou pessoas bastante simples para o acreditar, foi o verdadeiro fundador da sociedade civil. Quantos crimes, guerras, assassinatos, misérias e horrores não teriam sido poupados ao gênero humano aquele que, arrancando as estacas ou tapando o fosso, tivesse gritado a seus semelhantes: ‘Não escutem esse impostor! Vocês estarão perdidos se esquecerem que os frutos são de todos e que a terra não é de ninguém!’”. P. 57

“Foi a época de uma primeira revolução que formou o estabelecimento e a distinção das famílias e que introduziu uma espécie de propriedade, de onde surgiam imediatamente muitas rixas e combates” p. 60

“Nesse novo estado, com uma vida simples e solitária, necessidades muito limitadas e os instrumentos que haviam inventado para provê-las, os homens, gozando de muito tempo de lazer, empregaram-no em procurar várias espécies de comodidades desconhecidas de seus pais. E foi esse o primeiro jugo que se impuseram sem pensar e a primeira fonte de males que prepararam para seus descendentes porque, alem de continuarem assim a amolecer o corpo e o espírito, tendo essas comodidades com o hábito perdido quase todo o seu encanto e, ao mesmo tempo, tendo degenerado em verdadeiras necessidades, a privação delas se tornou muito mais cruel de quanto sua posse havia sido prazerosa. E tornaram-se infelizes ao perdê-las, sem ficarem felizes ao possuí-las.” P. 61

“O ciúme desperta com o amor, a discórdia triunfa e a mais doce das paixões recebe sacrifícios de sangue humano.” P. 62

“O canto e a dança, verdadeiros filhos do amor e do lazer, tornaram-se divertimento, ou melhor, ocupação dos homens e das mulheres ociosos e agrupados. Cada um começa a olhar o outros e a querer ser olhado por sua vez e a estima pública teve um preço. Aquele que cantava ou dançava melhor, o mais belo, o mais forte, o mais destro ou o mais eloqüente, tornou-se o mais considerado. E foi esse o primeiro passo para a desigualdade e, ao mesmo tempo para o vício. Dessas primeiras preferências nasceram, de um lado, a vaidade e o desprezo e, de outro, a vergonha e a inveja; e a fermentação causada por esses novos fermentos produziu, enfim, compostos funestos para a felicidade e a inocência.” P. 62